domingo, 21 de novembro de 2010

QUANDO O TRIBUNAL LHE TIROU A FILHA...


I A CONSULTA

Era um daqueles Domingos, duplamente frustante. Primeiro porque era Domingo á tarde e amanhã segunda-feira, e segundo, porque estava chuva, frio, um dia tenebroso.

Concluindo, era um Domingo para se estar no quente da cama, a ler ou ver televisão, enquanto não chegava a segunda-feira.

Toca o telefone... Chatice, quem será?

Era a minha filha, a pedir-me que recebesse a empregada de limpeza do Centro Comercial onde trabalha, porque tinha um problema grave ,e que eu fizesse o favor de a receber e ajudar, patati-patata...
Ok. respondi: " diz-lhe para ir amanhã ao escritório ás 11h30m"

No dia seguinte, lá estava a senhora...magra, visivelmente cansada, com os olhos inchados, vestida de escuro, entrou no meu gabinete:

"Muito obrigada senhora Drª. por me receber, mas estou muito aflita, e a sua filha disse-me que me podia ajudar."

Respondi que fosse direita ao assunto. "Afinal era segunda-feira, quase meio dia, hora sagrada da paparoca, e "táva-se" mesmo a ver, que vinha aí uma borla."

Senhora Drª., eu criei uma menina, a minha Marta, desde a maternidade. A mãe dela, toxicodependente nunca quis saber da filha, e entregou-ma para a educar. Sabe, acrescentou, o pai da Marta é o avô dela, "tá " a perceber?, ele abusou da filha, e assim nasceu a Marta.

Cristina começou a chorar sem se conseguir conter, e entre os soluços disse, eles levaram-na senhora Drª. e agora que vou fazer á minha vida?

Esqueci a fome e que era segunda feira, e serenamente disse á Cristina, que não tivesse pressa, e que me explicasse tudo, desde do princípio, que eu estava ali para a ajudar.

Marta tinha 8 anos, e tinha sido levada pela Cristina da maternidade, dias depois de nascer.
A mãe e o pai da criança, por razões óbvias, acharam muito bem.

Cristina era uma das muitas empregadas de limpeza do centro comercial, XXXXX, fazendo o horário da noite.

Marta ia com a Cristina todas as noites para o Centro, e lá deambolava alegremente entre as lojas, onde já todos a conheciam e gostavam dela.

Uma dessas lojas era o estabeleciemnto onde trabalhava a minha filha em part-time, mas naquele Domingo, em vez da Marta, apareceu a Cristina aflita e chorosa porque o tribunal lhe tinha tirado a filha.

Perguntei: "mas, quem a levou?"

Esclareceu que foram dois policias e uma senhora, tinham ido á escola da Marta, e interrompido as aulas. Entraram na sala, e um deles perguntou á professora quem era a Marta XXX. A professora indicou com a mão, e um dos policias ordenou:"anda! vem, conosco"

Ainda passaram pela casa de Cristina para levantar os documentos e roupas da criança, informando-a do nome da instituição para onde seguia a Marta, que ficava a mais de 200Km.
"Senhora Dª, ainda por cima não consigo falar com ela, nem me deixam que eu a visite, estou muito preocupada, vão-me tirar a minha filha."

Posto isto, fiquei completamente convencida que tinha á minha frente, algúem que não me estava a dizer tudo, pelo que adiantei:

"Bom eu ia agora comer, mas já não vou. Dê-me o numero de processo, que vou ao Tribunal para ver o que se passa."


II O RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL

Abri o processo e estupefacta li o relatório da Assistente Social que se encontrava junto aos autos, onde constava o seguinte:
A Marta é uma aluna aplicada, atenta, faz sempre os trabalhos de casa, é organizada e os seus cadernos têm excelente apresentação.
A menor Marta XXXXXXXXX tem aspecto limpo e boa apresentação.
Integra-se bem socialmente.

Existem reais sinais de afecto entre a menor e a madrinha, revelando sentimentos de amor entre as duas.
no entanto, o seu cabelo atrás geralmente encontra-se despenteado, e chega frequentemente tarde á escola, justificando que a madrinha adormece porque trabalha até tarde no Centro Comercial onde trabalha.

POR TUDO ISTO, SOU DE PARECER QUE ESTA CRIANÇA DEVE SER ENTREGUE A UMA CASA ACOLHIMENTO PARA POSTERIOR ADOPÇÃO.

III PROCESSO E DILIGÊNCIAS

Depois disto o processo foi entregue ao Senhor Procurador Adjunto do Ministério Público, que assinou e ordenou que fosse indicada uma Instituição para acolhimento, e posteriormente foi ao Senhor Dr. Juiz que também assinou.

Geralmente estas instituições são muito difíceis de arranjar, por falta de vagas, mas neste caso, arranjou-se uma em 48 horas, e TRAZ..., a ordem foi cumprida lá indo a Marta para a Instituição que referi.
Pergunta-se: então pode-se levar assim uma criança, sem sequer indagar desse facto a pessoa que tem a sua guarda? Claro que não. mas neste caso nem se esperou, passando logo á acção, e o resto já sabem....
UM Á PARTE:
Posteriormente vim a apurar, que a senhora professora primária da Marta e as Senhoras da Segurança Social, embirravam solenemente com a Cristina. E porquê?

Porque muito embora a Cristina seja boa pessoa, e adore a Marta, não tem aquela sensibilidade necessária para lidar com este tipo de pessoas:
Por exemplo, não levava a prendinha á senhora professora... não tinha um bolinho feito para quando as assistentes sociais andavam lá pelo bairro lhes oferecer um cházinho,...Enfim, podia ser boa pessoa, mas ás vezes, mais vale parecer, do que ser. E era este o caso da Cristina, não sabia viver.
Pois é, faltava-lhe a tal sensibilidade, que faz de alguns vencedores, e outros não.
Bom... Depois de ver o processo, fui falar com o Senhor Dr. Procurador Adjunto do Ministério Público. Recebeu-me sentado á secretária, e mandou-me sentar. Posição que de imediato prescindi, uma vez que o senhor em causa é muito baixinho e não o conseguia vislumbrar, lá atrás das pilhas de processos.

Questionei-o sobre o assunto, e de imediato percebi, que teria assinado o despacho "de cruz", uma vez que, segundo ele, nunca punha em causa os relatórios das assistentes sociais.
De seguida procurei o Senhor Dr. Juiz, que terá assinado também ele, "de cruz", porque não punha em causa os despachos do Ministério Público.

Posto isto, falei com a directora das assistentes sociais, que me transmitiu, conhecer de perto a situação em causa. Notou-se uma certa animosidade pessoal em relação á Cristina, frisando no entanto, uma grande admiração pela pequena Marta. Uma criança muito inteligente, acrescentou, bonita ...diferente, que merecia mais...
Mais???inquiri? mais o quê?, a criança não foi feliz até agora?

Fiquei deveras apreensiva. Não só com a conversa desta senhora directora, que falava com evidente segurança e superioridade, como posteriormente, quando conversei com a professora primária da Marta.
Todos achavam que a Marta era muito bonita, superior, inteligente, Por outras palavras:;" mal empregada nas mãos da Cristina..."
Procurei ás minhas expensas uma psicóloga de crianças. Deu-me algumas dicas preciosas...advertindo-me para as armadilhas subtis do relatório.
Por exemplo, quando a assistente diz no relatório que a Marta tem um aspecto limpo, mas o cabelo atrás despenteado, o que ela quer que se conclua, é que a criança está entregue a si própria. Que é ela que se cuida, mas como não se vê atrás, daí estar despenteada.
Procurei o proprietário de um grande hotel nesta zona. Pedi á secretária que me recebesse, mas antes fiz-lhe um resumo do que precisava. Um emprego mais bem pago com melhor horário para a Cristina.
O dito proprietário recebeu-me passados 2 dias. Depois de me ouvir atentamente, disse-me que iria ajudar. De imediato, mandou a governanta do hotel arranjar uma vaga na lavandaria, com horário diurno, e com um aumento mensal de 100 euros, em relação ao ordenado que auferia no Centro Comercial.

Depois falei com a directora de uma escola com ATL, e assegurei a inscrição da Marta.

Obriguei a Instituição onde se encontrava a Marta a receber-nos, e durante cerca de dois meses, fomos aí vê-la todos os fins de semana.
Por fim, arrolei como testemunhas a mãe e o pai biológicos, que obviamente defenderam que deveria ser Cristina a tomar conta da Marta.
Nas alegações que redegi em relação ao relatório, não tive quaisquer contemplações, com a Senhora assistente social que o elaborara.
Mas não posso esquecer que o senhor Procurador Adjunto do Ministério Público continuava a pretender defender aquele escrito deveras vergonhoso.


IV O FINAL FELIZ

Foi finalmente decidido retirar a criança da instituição, e entregá-la á sua mãe do coração, a Cristina. Depois das condições reunidas, ou seja, horário laboral diurno, apoio escolar a seguir ás aulas, almoço na escola, não podia o Senhor Dr. Juiz deixar de entregar a criança áquela que era a sua verdadeira mãe, que adorava como filha, e que sempre se comportara como tal.
mas pensem...se aquela mulher não tivesse quem a orientasse ou defendesse, o que poderia ter acontecido... que teria sido da Marta?
Para um profissional do foro, o caso Esmeralda, não será assim tão excepcional...havia uma luta pela tutela de uma criança entre os pais adoptivos e o pai biológico.

No caso da Marta, criança feliz, integrada, equilibrada, é de repente e sem qualquer razão, retirada da sua mãe, que não sendo biológica, era concerteza do coração, para a colocar numa instituição e talvez, depois, para adopção.


V MOTIVAÇÃO

Só há uma coisa que ainda não referi, mas que foi decisivo para o meu empenho neste assunto, que diga-se, só me deu prejuízo, isto falando da parte material, foi o facto de na primeira vez que visitei a Marta na Instituição ela se ter revelado uma criança segura.
Ou seja, uma criança que é segura daquela forma, só pode ser criada, educada, com muito amor e carinho.

Fez um desenho e entregou-me, dizendo que era uma prenda para mim. Mas de seguida, encarou-me e disse-me: "Achas que o senhor Juiz ainda vai demorar muito tempo para me mandar para a Cristina??

Percebi que tinha de ter sucesso naquele trabalho, custe o que custasse...

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada por existir, são pessoas como a senhora que me fazem ter ainda fé neste mundo e....em alguns advogados.