terça-feira, 14 de maio de 2013

O Que Afinal é Autêntico...

O café não estava grande coisa e o contexto deprimente, aliás como hábito, quando reparou no rapaz encostado ao balcão de óculos escuros, que a olhava fixamente.

Nunca percebera muito bem, porque é que certas pessoas usam óculos escuros em espaços fechados.

Afinal há para todos os gostos e ocasiões. Existem os de ver ao perto, para ver ao longe, os progressivos e sei lá mais o quê...

Portanto, porque é que alguém usa lentes escuras onde não entra a luz do sol, era para ela um eterno enigma.

Uma das possíveis explicações, seria talvez esconder o seu olhar, para que os outros não saibam o que lhes vai na alma.

Por isso, seria-lhe de todo impossível saber a razão, porque é que o rapaz a olhava daquela maneira ou o quereria dela.

Divertiu-se a imaginar o porquê.

Podia ser que lhe agradasse as mulheres maduras, ou porque lhe fazia lembrar a mãe, seria um simples pendura?

De todas as hipóteses que lhe vieram à cabeça, preferiu a que lhe era mais grata, uma mulher atraente ou no mínimo interessante.

Cansou-se do rapaz e foi para casa.

Tinha tido um daqueles dias de trabalho intenso, e o de amanhã avizinhava-se um pouco pior...Só lhe apetecia, deitar-se cedo e dormir.

Sentia-se cansada, e pior que isso... desanimada.

Acontecia-lhe isto sempre que as pessoas a desiludiam.

Irritava-a ter esta reação, embora já tivesse desistido de lutar contra ela. Sabia que tinha de passar por um período de luto, até se transformar em algo que lhe era absolutamente indiferente.

Uma maçada, pensou. Perdia as energias e não tinha a menor pachorra para os afazeres do dia a dia, desconcentrava-se do que realmente era importante, revoltando-se contra ela própria, por deixar que os outros tivessem tal poder sobre ela.

Chegada a casa, não lhe apeteceu comer nada, deitou-se no sofá e aninhou-se com os seus cães.

Olhou para eles e refletiu na vida.

O autêntico em geral é afinal o que de mais primário há. É por exemplo a energia que emana das ondas do mar, é o amor incondicional dos animais, é a voz da Dulce Pontes quando interpreta "O Mar", é tudo afinal o que sai naturalmente, sem elaborações mentais ou racionais.

A esta altura já os seus animais dormiam encostados a ela, serena e profundamente.

Pensou que raio teria ela feito, para provocar tal mudança no seu comportamento, evitando-a com evidente rejeição, que tinha tanto de inexplicável como imprevisivel.

Teve pena dele.

Era daquele tipo de pessoas, que inevitavelmente negava-se a si próprio, deixar a vida sensaborona e sem cor que tinha, desperdiçando as raras oportunidades que esta oferece, para poder alterar esse estado de coisas, tornando-a mais estimulante e diferente, podendo usufruir de alguns momentos agradáveis e felizes.

Apesar de saber que nada perdeu, sentiu-se magoada.

Tinha procedido com ele sem malícia ou segundas intenções, e não evitou querer conhecê-lo melhor. Tinha achado piada e estimulante, pois nunca conseguia deixar de se interessar, por quem com timidez se aproximasse dela.

De fato, e por mais que pensasse sobre o assunto, não conseguia explicar porque se alterara bruscamente o seu comportamento. Passou-lhe pela cabeça que fora intencional, motivado por um desejo perverso, ou que teria se aproximado por razões interesseiras, por outras de índole pessoal que não conhecia...

Foi caindo no sono e esboçando um sorriso, sentindo o calor afetuoso dos seu animais, e dizendo em voz baixa e para si própria: " Afinal não era autêntico..."