sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Fim das escrituras, preocupa a Ordem dos Notários

Fim das escrituras aumenta litígios em tribunal.

O fim das escrituras na reforma do registo predial é visto com preocupação pela Ordem dos Notários. Uma situação que vai levar a que aumentem os processos de litígios em tribunal.
O Governo acabou com a obrigação de fazer uma escritura para a compra e venda de uma casa, sendo substituída por um documento autenticado por uma de cinco entidades diferentes: advogados, notários, conservadores, solicitadores e câmaras de comércio e indústria. Uma revolução no processo burocrático e complexo que é hoje a escritura de uma casa e que obriga a um interminável número de viagens, desde a conservatória do registo predial à câmara municipal, passando pelas finanças e o notário. Mas a simplificação do processo e a eliminação da escritura pública vai ter um reverso que é o aumento de conflitualidade e o recurso aos tribunais. Esta é a convicção da Ordem dos Notários. "Está estatisticamente e cientificamente demonstrado que nos países onde não existe o controlo da legalidade feito pelo notário aquando da celebração dos contratos, a percentagem de litígios a resolver em tribunal é exponencialmente superior", refere Joaquim Barata Lopes, Bastonário da Ordem dos Notários. E Portugal não será uma excepção a essa regra, tendo ainda a agravante de que os tribunais portugueses não estão preparados para dar resposta ao acréscimo de procura que se espera venha a resultar da substituição das escrituras públicas por um documento autenticado. Joaquim Barata Lopes acusa ainda o facto de em alguns países da Europa, como é o caso do Reino Unido, existir um mercado próspero de seguro de títulos, o que não existe em Portugal. "Talvez haja grande interesse por parte de algumas seguradoras multinacionais poderosas em implementar noutros países o sistema britânico ou americano, por razões óbvias", adianta.Simplificação de processos. A partir de Julho, altura da entrada em vigor das medidas de simplificação do registo predial, os portugueses vão poder escolher a forma como querem ver resolvida a compra de casa. Ou optam pela Casa Pronta, um serviço que permite que no mesmo balcão sejam praticados todos os actos relativos à compra e venda de imóveis, ou recorrem aos balcões únicos criados junto dos notários, advogados, solicitadores, conservadores e câmaras de comércio e indústria, através de um documento particular autenticado. As novas medidas, anunciadas esta semana pelo Ministério da Justiça, pretendem assim "promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, através da redução de obstáculos burocráticos, e aumentar a competitividade das empresas, através da redução dos custos". Para além da simplificação processual e burocrática, o Governo considera que estas medidas vão contribuir para que os preços dos actos de registo passem a ser claros e transparentes. "Deixam de resultar de uma soma de parcelas incompreensíveis para as pessoas (registos, certidões, emolumentos pessoais, etc.) e a ter um preço único, que inclui tudo" A perspectiva é que os custos passem dos 950 para os 650 euros. A juntar à criação de balcões únicos, com eliminação de deslocações, a simplificação dos actos e processos pretende eliminar as formalidades desnecessárias e aumentar a segurança. Até ao final de 2008 o Governo promete que será possível promover por via electrónica alguns actos de registo predial. Assim, através de um site gerido pelos serviços do Ministério da justiça será possível pedir o registo, pagar os emolumentos e proceder ao suprimento de deficiências do processo de registo. Medidas que vão permitir uma poupança significativa ao Estado estimada em 121 milhões de euros.

Entrevista ao Bastonário da Ordem dos Notários, Joaquim Barata Lopes:

"Tenho esperança que os cidadãos continuem a recorrer à escritura pública"
Quais os maiores perigos de transformar as escrituras públicas em actos facultativos?A escritura pública é muito mais que uma mera forma. Constitui a forma mais solene de titulação de negócios jurídicos entre particulares, mas tem uni valor intrínseco que vai muito para além disso. A escritura pública constitui a garantia da intervenção de um jurista especializado, que presta, de igual modo, assessoria às diversas partes contratantes, que presta esclarecimentos e aconselhamento jurídico à parte economicamente mais débil, que, em muitos casos, não teria meios de contratar outro jurista para o efeito. Os principais perigos e consequências são, naturalmente, a perda de todas estas garantias.
A eliminação da escritura pública poderá provocar um aumento da conflitualidade e o recurso aos tribunais?Está estatística e cientificamente demonstrado que nos poucos países onde não existe o controlo da legalidade feito pelo notário aquando da celebração do contrato, a percentagem de litígios a resolver em tribunal é exponencialmente superior à dos países onde os negócios são titulados obrigatoriamente por escritura pública (que são, na União Europeia, 21 dos 27 Estados-membros). Portugal não vai ser excepção a essa regra, bem pelo contrário. Com a agravante de que em países como o Reino Unido, para além de a respectiva comunidade ter características, hábitos e tradições diferentes, o próprio ordenamento jurídico e a organização judiciária estão preparados para dar resposta a essa procura acrescida dos tribunais.
A criação dos balcões únicos abre, a partir de agora, um novo mercado para outros grupos, em especial no caso dos advogados, e reduz o mercado dos notários?Tenho esperança de que os cidadãos sejam mais sensatos e mais responsáveis que aqueles que nos governam, e continuem a recorrer à escritura pública para titular os negócios mais importantes das suas vidas, em condições tais de segurança que lhes permitam continuar a dormir descansados, mesmo sem terem que fazer um seguro dó contrato da compra da sua casa, por exemplo.
As medidas tomadas pelo Governo no âmbito do Simplex têm diminuído o "negócio" dos notários. Qual a sua opinião, tendo em conta a privatização dos notários?Os notários são profissionais liberais que exercem uma função pública, mas apenas e só enquanto esse serviço público continuar a constituir uma mais-valia para os cidadãos e para as empresas. Naturalmente que os cidadãos não estão nem têm que estar preocupados com a perda de negócio por parte dos notários. Mas devem estar preocupados com a perda da segurança jurídica que muitas das medidas do Simplex acarretam. No dia em que a sociedade portuguesa entender que não há vantagens nenhumas na existência de garantias de legalidade dos contratos que são celebrados, deixa de fazer sentido existirem notários e poderemos todos passar a ser advogados, cada um a defender apenas e só o cliente que nos paga. Não é, todavia, admissível que tal passo seja dado para favorecer o negócio doutros. Ainda para mais contrariando manifestamente o interesse público.
Publicado hoje no "Semanário Económico"

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