sábado, 24 de março de 2012

UMA AMIZADE.



Já não era surpreendente ou inesperado. Já sabia por experiência própria, que eram assim que as coisas se sucediam e inevitavelmente terminavam. Os sinais repetiam-se, conhecia-os, sabendo que aquela relação tinha o seu fim á vista.

Havia um começo, motivador, empolgante, crescente, e como em tudo que atinge o seu auge, chegaria ao seu fim.

Existem excepções, é certo, mas muito raras, quase inexistentes, e aquele não parecia ser diferente.

A amizade era longa, e francamente, ela espantava-se como seria possível ter durado tanto tempo. Tudo se devia á perspicácia e capacidade de diplomacia, não dela mas dele.

Nunca o conhecera muito bem. Até porque, por detrás de toda aquela autenticidade, havia sempre um véu que ele impunha nas suas relações, não permitindo aos outros que se deixasse conhecer totalmente.

Passou pois ele a ser indispensável na sua vida. Falava dele com frequência, gostava de dizer: “…tenho um amigo que diz….” Ou “…vou perguntar a um Colega que sabe…” ou simplesmente telefonava-lhe para o oscular sobre uma decisão a tomar.

Sentia que havia da parte dele algo de verdadeiro, que nutria algum sentimento autêntico por ela, mas até isso, ela não sabia muito bem como classificar.

Seria amizade pura e simples, como por vezes existe entre duas pessoas do mesmo sexo? Seria atracção ou especial empatia entre um homem e uma mulher? Seria uma confidente? Seria um amor impossível, que era necessário refrear quando a relação evoluía demasiado, ultrapassando os limites do aconselhável?

Ao longo dos anos, perguntou-se sempre o que seria afinal aquela relação, já tão longa, e que não duvidava que a quem controlava era ele, não ela.


Porém, a partir de certo momento, constatou que a procurava sobretudo quando queria estar bem. Funcionava para ele como um pequeno oásis.

Quando a vida lhe permitia tirar umas horas, e lhe apetecia, por um pequeno espaço de tempo, oferecia-se a si próprio uns momentos agradáveis.


Eram raros estes bocadinhos simpáticos, para ela muito poucos, para ele talvez, o suficiente para recarregar as baterias que a sua vida obrigava.


Apesar de insuficiente, habituou-se a esse tipo de relação, e estava sempre disponível para quando ele telefonasse ou quisesse almoçar. Deixava-o brilhar, e por sua vez ele ouvia-a sem a censurar.

Nunca lhe negou ajuda, se bem que ela tinha o cuidado de não exagerar nos pedidos, mas, o que é facto, é que ele a ajudava, e ao cabo de meio século de vida, ela aprendera que são tão raras as pessoas que ajudam, que tais atitudes devem ser apreciadas e agradecidas.

Porém algo se alterou. Sentiu no seu íntimo que começou a ser para ele um peso ou uma obrigação.

Sofreu com isso, e soube que o fim se anunciava.

Sentiu pena, e mais que isso, sentiu-se de repente, só.

A solidão era algo que lhe era penoso aceitar, e geralmente colmatava-a através de um período de interiorismo, estando só acompanhada consigo própria, deixando de sonhar, deixando de sorrir, olhando menos á sua volta, e mais para dentro de si.

Eram períodos terríveis, mas que considerava positivos e necessários, que a ajudavam ao seu crescimento interior, como pessoa.


Depois de tais fases, aprendia a apreciar mais as coisas simples que a vida lhe oferecia, como a beleza, a bondade, o trabalho, a natureza em geral.

Eram afinal tempos de estagnação necessários, para obter forças para os outros de grande actividade e movimento.

Contudo, não deixavam de ser alturas tristes na sua vida, e desta vez, através do esmorecer de uma amizade que tanto prezava.

Lembrou-se da história do cacto que trouxe da Arrábida. Um enorme Agave das traseiras da casa de praia.


Quando esta foi demolida, trouxe-o, acrescente-se com alguma mestria, para o seu apartamento na cidade.

Durante anos a planta viveu e desenvolveu-se saudavelmente naquelas condições.

Até ao dia, que o pode levar para um terraço.

Feliz, olhou para ele e disse-lhe:” agora sim, podes viver outra vez ao ar livre, como mereces”


Engano seu. O Agave começou a definhar, as suas grandes hastes amoleceram, e as novas vinham enfraquecidas, o fim estava pois á vista.

Alguém comentou: “tudo o que nasce morre!” E por isso ela deveria se resignar.


Mas não se resignou.

Amava demasiado aquele ser vivo para dele desistir, e em vez de o deitar fora, trouxe-lhe areia da praia, mudou-lhe o vazo, conversou com ele, e alimentou-o um pouco mais. E assim, anos depois, ficou tão bonito como quando vivia naquele casulo natural e belo, que é a Arrábida.


Persistência? porque não? Talvez quem sabe, possa evitar o fim anunciado de uma amizade. O futuro o dirá.